Wunderkammer: os Gabinetes de Curiosidades
A relação da humanidade com o espaço construído tem se transformado ao longo dos séculos.
O Coliseu, por exemplo, construção que data de 80 d.C e é considerado o maior anfiteatro do mundo, é hoje um famoso destino turístico, apesar de sua origem como arena de combate. A Grande Muralha, iniciada em 220 a.C e concluída quase 2 mil anos depois, foi desenvolvida com propósito militar, para defesa dos chineses contra as invasões de povos nômades do norte. Hoje, a construção é reconhecida como uma das sete maravilhas do mundo, um símbolo nacional e um dos pontos turísticos mais visitados do mundo.
Tanto o Coliseu quanto a Grande Muralha são exemplos de como o ser humano tem criado novos sentidos e usos para os espaços construídos ao longo da história. Essas transformações, com suas especificidades, também podem ser observadas na formação e evolução das instituições museais.
A criação dos museus como conhecemos hoje é antecedida por mudanças históricas profundas na sociedade, no pensamento artístico e na própria arquitetura que abriga coleções. Espaço ainda restrito ao conhecimento e fruição da nobreza, os primeiros exemplares de “museus” podem ser reconhecidos nos
Wunderkammer ou Gabinetes de Curiosidades, locais privados, criados por pessoas da elite do séc. XVI, que apresentavam objetos e que iam de espécimes naturais, objetos exóticos a instrumentos científicos, tudo exibido lado a lado, como pode ser comentaremos a seguir.
Os curiosos objetos expostos nos Gabinetes eram resultado das expedições aos novos continentes. No regresso ao velho continente, tudo de curioso e ou valioso que era encontrado nas viagens, acabava exposto nos Wunderkammer. Em comparação com os museus atuais, a apresentação dos objetos poderia parecer desorganizada. Essa justaposição de elementos, refletia, por vezes, uma decisão do organizador ou proprietário da coleção. As curiosas coleções geralmente eram divididas em quatro categorias principais: naturalia, artificialia, exotica e scientifica:
Naturalia: fazia referência à seres e objetos naturais, como monstros e criaturas míticas;
Artificialia: objetos criados ou modificados pelo homem, abrangendo antiguidades e objetos de arte, pinturas, esculturas;
Exotica: tudo que fosse planta ou animal considerado exótico era incluído nessa categoria, crocodilo empalhado é um bom exemplo;
Scientifica: essa categoria reunia instrumentos científicos.
Os Gabinetes de Curiosidades não eram abertos ao público, estando sua visitação a critério de seu organizador.
Talvez essa seja uma das principais diferenças entre os Wunderkammern e o que viria a ser o museu moderno. Isso porque foram um dos primeiros espaços instituídos para visitação e observação de objetos reunidos em coleções. Porém, o propósito que culmina na instituição dos Museus difere do objetivo para o qual os Gabinetes foram criados.
Enquanto esses eram espaços privados, que representavam as conquistas da nobreza e seu poder, os Museus nascem com a intenção de se tornarem mais abertos, ainda que o sentido de “público” na época fosse distante do que significa hoje. Os primeiros museus surgem com a finalidade primordial de consolidar um sentimento de nacionalismo, de valorização de símbolos e conquistas em outros continentes, como resultado das grandes navegações.
Essa ideia de autoafirmação para os países é reforçada por José Gonçalves (2007), que aponta os museus como as instituições culturais que têm assumido funções e significados diversos em diferentes contextos sócio-culturais, estando associado aos processos de formação simbólica de diversas modalidades de autoconsciência individual e coletiva no ocidente moderno, ao longo dos últimos cinco séculos de história. Ainda de acordo com Gonçalves, os museus traduzem por meio de suas estruturas concepções materiais e conceituais sobre a ordem cósmica e social.
Os Gabinetes de Curiosidades do séc. XVI, começam a desaparecer entre os séculos XVIII e XIX, a partir do surgimento dos museus como instituições oficiais e de coleções privadas. Porém na atualidade já houveram reproduções de Gabinetes de Curiosidades, como é o caso do Wunderkammer Olbricht e da exposição Coleções de Passagem (2018) da artista brasileira Fernanda Coimbra realizada em torno da casa do colecionador Milton Ferreira.
0 comments
Sign in or create a free account