A Batalha de Aljubarrota, vitória decisiva de Portugal;
A Batalha de Aljubarrota decorreu no final da tarde de 14 de agosto de 1385 entre as tropas portuguesas - com aliados ingleses -comandadas por D. João I de Portugal e o seu Condestável D. Nuno Álvares Pereira, e o exército castelhano com os seus aliados liderados por D. João I de Castela. A batalha ocorreu no campo de São Jorge, na localidade de São Jorge, que pertence à freguesia de Calvaria de Cima, que fica no concelho de Porto de Mós, nas imediações da vila de Aljubarrota, entre os concelhos de Porto de Mós e Alcobaça.
O resultado desta batalha foi a derrota definitiva dos castelhanos, o fim da crise de 1383-1385 e a consolidação de D. João I - anteriormente Mestre de Avis -, como rei de Portugal, o primeiro da Dinastia de Avis. A aliança Luso-Britânica saiu reforçada desta batalha e foi selada, um ano depois, com a assinatura do Tratado de Windsor e o casamento do rei D. João I com D. Filipa de Lencastre. Como agradecimento pela vitória na Batalha de Aljubarrota D. João I mandou edificar o Mosteiro da Batalha. A paz com Castela só viria a estabelecer-se em 1411 com o Tratado de Ayllón, ratificado depois em 1423.
A Batalha de Aljubarrota foi uma das grandes e raras batalhas campais da Idade Média - entre dois exércitos régios - e um dos acontecimentos mais decisivos na história de Portugal. Inovou a tática militar ao permitir que homens, com armas, mas apeados, fossem capazes de vencer uma poderosa cavalaria. No campo diplomático permitiu a aliança entre Portugal e Inglaterra, aliança essa que perdura até aos dias hoje. No aspeto político resolveu a disputa que dividia o Reino de Portugal do Reino de Castela e Leão, abrindo assim caminho, com a Dinastia de Avis, para uma das épocas mais marcantes da história de Portugal: a era dos Descobrimentos.
Diretamente associada à vitória dos portugueses nesta batalha celebrizou-se a figura lendária de Brites de Almeida, mais conhecida como "a Padeira de Aljubarrota". Reza a lenda que esta personagem terá morto sete castelhanos com a sua pá, depois de os encontrar escondidos no interior do seu forno.
Texto retirado da Fundação Batalha de Aljubarrota
Contexto político anterior à Batalha de Aljubarrota:
Após o reconhecimento do reino de Portugal e de D. Afonso Henriques como seu monarca, em 1179, pelo Papa Alexandre III, através da bula "Manifestis probatum est", Portugal experimentou, nos dois séculos seguintes, um crescimento significativo, quer em termos geográficos, como económicos e demográficos.
Quando, em 1367, D. Fernando subiu ao trono encontrou o reino numa situação relativamente desafogada. Contudo, envolveu-se em três desfavoráveis guerras com Castela. Ao deixar-se influenciar pela rainha D. Leonor Teles e pelos seus partidários, lançou o país numa situação economicamente delicada e numa grave crise política. No final do reinado de D. Fernando, o tesouro régio estava depauperado, os preços subiam face à quebra continuada da moeda e o nível de vida das populações baixara significativamente.
Após a terceira guerra com Castela, em 1382, D. Leonor Teles, o Conde João Fernandes Andeiro e muitos outros nobres entenderam que uma união com Castela seria a melhor forma de acautelar os interesses e de terminar com o secular conflito entre os dois reinos, colocando-os sob a mesma família real. Assim, promoveram a assinatura do Tratado de Salvaterra de Magos, a 6 de abril de 1383, que determinou o casamento de D. Beatriz, a única filha de D. Fernando e de D. Leonor Teles, com D. Juan I de Castela, que enviuvara no início desse ano. Segundo este Tratado, D. Leonor Teles - após a morte de D. Fernando - seria a regente da Coroa Portuguesa até que D. Beatriz tivesse um filho varão e este atingisse os 14 anos. A Coroa Portuguesa passaria então a pertencer aos descendentes do Rei de Castela, D. Juan I, passando a capital do Reino para Toledo. Esta situação significava que o Reino de Castela iria, inevitavelmente, dominar Portugal. O casamento real teve lugar em maio de 1383, nas povoações raianas de Elvas (a 14 de maio) e de Badajoz (a 17 do mesmo mês).
Quando D. Fernando morreu, a 22 de outubro de 1383, a situação decorrente do Tratado de Salvaterra de Magos provocou um grande mau-estar e não agradou a um largo setor da nobreza de Portugal. Mas na corte portuguesa havia por essa altura um personagem que se destacava: João Fernandes Andeiro, um galego que apoiara o sonho expansionista de D. Fernando e mais tarde contribuíra para a elaboração do Tratado de Salvaterra. No entanto, muitos afirmavam que ele era amante da rainha D. Leonor Teles. O Conde Andeiro era um mestre da política internacional e manobrava habilmente os interesses e as emoções de D. Fernando e D. Leonor. Após a morte de D. Fernando, tornou-se o principal valido e conselheiro de D. Leonor.
Um largo setor da sociedade portuguesa entendeu então que o Infante D. João, meio-irmão de D. Fernando e filho de D. Pedro I e de D. Inês de Castro, teria direito ao trono. Um grupo minoritário defendia, no entanto, as pretensões ao trono de D. João, Mestre da Ordem militar de Avis e filho bastardo de D. Pedro I.
Após alguma hesitação, o Mestre de Avis acabou por arquitetar um golpe palaciano que levou à morte do Conde João Andeiro nos Paços da Rainha, a 6 de dezembro de 1383. Perante este facto, o número de apoiantes do Mestre de Avis foi aumentando, sobretudo nas maiores cidades do reino, como Lisboa. Ao ter conhecimento da morte do Conde Andeiro, o povo de Lisboa amotinou-se e proclamou D. João, Mestre de Avis, como "Regedor e Defensor do Reino". No resto do país, muitos dos nobres e alcaides de castelos, em obediência ao contrato de Salvaterra de Magos, continuaram, contudo, a respeitar a rainha D. Leonor Teles e a aceitar a sua autoridade. Gerou-se assim uma grave crise política, cujo desfecho estava ainda longe de se poder descortinar.
Causas da crise de 1383 a 1385:
Analisando a crise política de 1383 a 1385 com maior profundidade é possível referir que vários fatores políticos, económicos e sociais foram os responsáveis pelo seu espoletar.
A primeira razão que podemos apontar para esta crise residiu nas divisões e rivalidades existentes dentro da nobreza portuguesa. Desde o reinado de D. Afonso IV - iniciou em 1325 - que progressivamente se foi operando uma profunda recomposição da alta nobreza, ou seja, das famílias nobres que frequentavam normalmente a corte e que beneficiavam prioritariamente de favores régios, como a atribuição de títulos ou a concessão de recompensas. Face a este processo de transformação, a alta nobreza, aquando da morte de D. Fernando, era quase exclusivamente composta por famílias de exilados castelhanos e galegos, como os Castros e sobretudo os Teles, que desde o reinado de D. Afonso IV se haviam refugiado em Portugal devido às guerras civis em Castela. Estas famílias ganharam influência e poder dentro da corte portuguesa, sobretudo pela mão de D. Pedro I e mais tarde por Dona Leonor Teles, embora o seu número de elementos fosse relativamente reduzido.
Aquando da morte de D. Fernando existia, portanto, um grande número de famílias antigas, que se classificavam como pequena e média nobreza, que tinha perdido progressivamente o seu poder e que se encontrava naturalmente descontente. Esta situação foi geradora de tensões e algum mal-estar que favoreciam o desejo de alterações profundas dentro das várias famílias da nobreza portuguesa. Essa vontade teve a clara oportunidade de se expressar quando D. Leonor Teles e os seus aliados defenderem uma solução política para Portugal que consistia na perda de independência. Esta solução, muito discutível no aspeto legal era, sobretudo, do desagrado da grande maioria da população portuguesa.
Ao lado de D. Leonor Teles não estava, contudo, apenas a alta nobreza. Estavam também alguns nobres que obtiveram de D. Leonor postos de confiança, como o cargo de alcaides de castelos, ou outros que a ela deviam os seus laços matrimoniais, como Martim Gonçalves de Ataíde, alcaide do castelo de Chaves, Pedro Rodrigues da Fonseca, alcaide do castelo de Olivença, João Afonso Pimentel, senhor de Bragança, Fernão Gonçalves de Meira, alcaide do castelo de Torres Vedras, Fernão Gonçalves de Sousa, alcaide do castelo de Portel, ou Gonçalo Vasques de Azevedo. Pelas relações pessoais que se estabeleceram com D. Leonor Teles estes nobres foram-lhe sempre fieis e defenderam os seus castelos contra D. João I, em muitos casos, até depois da Batalha de Aljubarrota.
Todas as referidas contradições e tensões sociais existentes dentro da nobreza portuguesa, vieram à superfície após a morte de D. Fernando. Gerou-se a indefinição política: D. Fernando não tinha deixado nenhum filho herdeiro e estavam perante uma invasão estrangeira, movida por D. Juan I de Castela. Criaram-se assim as condições objetivas para uma divisão e confrontação entre os diversos grupos sociais existentes, exteriorizando as rivalidades acumuladas ao longo de décadas. Do lado de D. Leonor Teles estavam todos os interessados na manutenção da situação política e económica vigente, enquanto do lado de D. João Mestre de Avis se encontravam todos aqueles que pretendiam a sua profunda alteração.
É contudo justo referir que existia um importante número de famílias da nobreza tradicional portuguesa que por não se sentir identificada com nenhuma das duas referidas fações, adotou, no início da crise, uma posição neutra, ou de apoio ao Infante D. João, filho de D. Pedro I, então preso em Castela por ordem de D. Juan. Foram as famílias Pacheco, Cunhas, Coelhos ou Coutinhos. Com o evoluir da crise política, a partir de 1383, estas famílias foram adotando sucessivamente posições, face ao desenrolar dos acontecimentos políticos e militares.
É também importante referir outro grupo social que até então se encontrava claramente descontente: os filhos não primogénitos e bastardos. Há muitos anos se viam afastados do acesso ao património familiar devido às regras sucessórias existentes. Esta situação fez com que muitos membros de algumas famílias portuguesas optassem por carreiras dentro das Ordens Militares, como forma de promoção social e de acesso à nobreza. Exemplos de famílias onde, por estas razões, muitos dos seus membros se especializaram na arte da guerra, são os Leitões, os Teixeiras, os Carvalhos, os Barretos e obviamente os Pereiras, onde se incluía Nuno Álvares Pereira. Estes membros de famílias portuguesas aderiram quase todos à causa do Mestre de Avis, por verem neste partido a forma mais evidente de adquirirem os direitos sociais e políticos, que até então lhes eram negados.
Mas umas das razões principais da crise de 1383 a 1385 foi o descontentamento popular, resultante tanto da degradação das condições de vida da generalidade da população, como da evolução política que o país tomava, com a perspetiva da perda da sua independência.
A degradação das condições de vida resultavam de uma crise económica acentuada que se verificava tanto em Portugal como na Europa, resultado de sucessivas más colheitas agrícolas - inevitavelmente geradoras de fome - dos efeitos negativos das frequentes guerras contra Castela e da ocorrência regular de diversas epidemias, como a Peste Negra. A responsabilidade para a degradação das condições era atribuída ao poder instituído, ou seja, aos anos de governação de D. Fernando e de D. Leonor Teles.
Mas a insatisfação popular resultou também da perspetiva do Reino de Portugal perder a sua independência e de passar a ser governado por um rei estrangeiro. Esta insatisfação manifestou-se logo após a morte de D. Fernando, em Outubro de 1383, quando a regente D. Leonor mandou apregoar por várias cidades de Portugal o pregão: “Arraial, arraial, pela rainha D. Beatriz nossa senhora”. Em várias povoações do Reino, como Lisboa, Santarém e Elvas, a população reagia mal ao pregão. Esta reação não resultou apenas de D. Leonor ser impopular junto dos portugueses, mas seguramente devido ao receio de domínio castelhano que D. Beatriz, inevitavelmente, representava.
A 6 de dezembro de 1383 D. João Mestre de Avis afirmou-se como líder, representando assim uma alternativa política à união com o Reino de Castela. Por essa altura multiplicaram-se, por todo o Reino, e ao longo dos dois anos seguintes, aqueles que aderiram à sua causa. Em primeiro lugar, na cidade de Lisboa, onde na noite de 6 de dezembro o Mestre é aclamado pelo povo e onde, posteriormente, várias vezes lhe foi solicitado que assumisse o título de regedor e defensor do Reino. Em janeiro, em Almada e na cidade do Porto, as populações aderiram também ao Mestre de Avis. Mais tarde, em maio, Coimbra adotou a mesma posição. Podemos assim verificar que, rapidamente, as populações das principais cidades do Reino apoiaram o Mestre.
Para alargar a sua base de apoio, D. João enviou, logo a partir de dezembro, vários emissários pelo Alentejo e originou uma verdadeira insurreição. As populações apoiaram o Mestre e assaltaram os respetivos castelos, como sucedeu em Beja, Portalegre, Estremoz e Évora. Noutros casos, porém, as populações apoiantes do Mestre de Avis tentaram, apesar de sem sucesso, apoderar-se dos castelos, como aconteceu em Torres Vedras, Alenquer, Guimarães, Braga ou mesmo Santarém. Noutros casos ainda, como em Tomar, Pinhel ou Montemor-o-Novo, a população, juntou-se, sem luta, ao Mestre de Avis.
No sentido inverso não se conhecem casos em que a população de alguma povoação tenha aderido ao Rei de Castela ou à sua esposa, D. Beatriz. No entanto, mesmo depois da Batalha de Aljubarrota existiram alcaides que se mantiveram fiéis a D. Beatriz.
Mas este sentimento popular não se manifestou apenas na tomada de cidades ou castelos. Esteve sempre presente a partir de 1383 e manifestou-se de diversas formas e em diferentes ocasiões. Um exemplo da manifestação desse sentimento popular foi a adesão imediata do povo de Lisboa à causa do Mestre de Avis, em dezembro de 1383; ou a sua determinação em lutar pelo Mestre de Avis, em 1384, durante o cerco de quatro meses a que Lisboa foi sujeita; ou a adesão do povo do Porto, em janeiro de 1384, ao Mestre de Avis, bem como a sua decisão, em maio de 1384, de oferecer batalha aos castelhanos que ameaçavam cercar a cidade; ou a decisão do povo de Torres Vedras quando abandonou a cidade com o exército do Mestre de Avis, em fevereiro de 1385, após a desistência do cerco que aí havia sido montado; ou a perseguição espontânea que muitas gentes fizeram aos homens de armas castelhanos, quando em agosto de 1385, fugiam para Castela, após a Batalha de Aljubarrota.
A sabedoria popular soube, desde cedo, identificar aquele que melhores garantias dava para defender as aspirações do povo a curto e longo prazo. Do Minho ao Algarve, como maior ou menor evidência, a preferência das populações virou-se exclusivamente para D. João Mestre de Avis. Foi um fenómeno muito significativo, que contribuiu para a consolidação da identidade nacional.
A reação espontânea do povo ao aderir ao Mestre de Avis, que não era responsável pela degradação económica dos anos anteriores, simbolizava uma solução portuguesa para a crise política. D. Leonor Teles não representava, seguramente, uma solução para qualquer destas questões, pois além de estar associada à degradação económica existente, proclamara a sua filha, D. Beatriz - casada com o rei de Castela - rainha de Portugal. O infante D. João também não representava essa solução política, pois vivia há vários anos em Castela, onde estava preso desde outubro de 1383. Assim, o único pretendente que poderia permitir uma solução de independência do Reino de Portugal era claramente o Mestre de Avis.
O seu comandante militar, D. Nuno Álvares Pereira, enalteceu este aspeto considerando-o como um elemento de união entre os portugueses, nomeadamente nos momentos que antecederam as suas batalhas, proclamando a necessidade de se fazer frente à invasão estrangeira.
A invasão de Portugal por um exército estrangeiro, tanto em 1384, como em 1385 obrigou a que os diferentes grupos sociais tivessem de optar por um dos lados em confronto. O apoio essencial foi, contudo, concedido pelo povo, ao reconhecer em D. João I a figura que melhor poderia assegurar a resolução dos seus problemas económicos e a defesa da independência do Reino de Portugal.
Em conclusão, é possível afirmar que existiram várias razões para a crise de 1383 a 1385. A falange do Mestre de Avis pode contar com o apoio de diversos grupos sociais, nomeadamente de alguma burguesia, e de uma parte importante da pequena e média nobreza portuguesa. Pode também contar com um chefe militar excecional, Nuno Álvares Pereira, que em muitos casos difíceis soube, com a sua coragem e eficácia, imprimir o rumo certo para o desenrolar dos acontecimentos. Mas estes fatores favoráveis nunca teriam proporcionado quaisquer hipóteses de sucesso a D. João Mestre de Avis, se a maioria esmagadora do povo, nomeadamente nas principais cidades, não tivesse aderido progressiva e espontaneamente à sua causa.
Descrição dos acontecimentos:
Ainda em dezembro de 1383 e ao constatar a situação de incerteza e de indefinição política que se verificava, o Mestre de Avis enviou emissários a D. Leonor Teles, que saíra, entretanto, de Lisboa e se encontrava em Alenquer. Levaram-lhe uma proposta de casamento entre ela e o Mestre de Avis. Assim, o Mestre de Avis e D. Leonor Teles assumiriam a regência do Reino, até que o filho de D. Beatriz atingisse 14 anos e pudesse reinar. Dessa forma o Mestre de Avis seria o governador do Reino. Mas D. Leonor Teles recusou essa proposta. Os partidários do Mestre começaram então a preparar a defesa militar de Lisboa.
Depressa se percebeu a importância do auxílio de Inglaterra, reino com que Portugal tinha um tratado de aliança assinado em 1372 (o Tratado de Tagilde), e particularmente o apoio do Duque de Lencastre, John of Gaunt, que tinha pretensões ao trono castelhano. Em dezembro de 1383 foram enviados embaixadores a Londres, então recebidos por Ricardo II e pelo Duque de Lencastre. A resposta do rei de Inglaterra foi favorável aos pedidos do Mestre, permitindo que os embaixadores portugueses recrutassem em Inglaterra homens de armas e arqueiros. Em contrapartida, o Mestre de Avis aceitou as pretensões do Duque de Lencastre ao trono de Castela.
Em dezembro de 1383, o Mestre, perante a solicitação do povo para que se chamasse Regedor e Defensor do Reino, foi ao Mosteiro de São Domingos onde o povo se tinha reunido. Aí aceitou ser “seu defensor e pôr o corpo a qualquer aventura por honra do reino e pela defesa deles”.
Ainda em dezembro de 1383, um jovem nobre, Nuno Álvares Pereira, entrou em cena. Filho segundo, saído de uma família ligada à Ordem de S. João do Hospital, foi recebido pelo Mestre de Avis, a quem transmitiu o seu apoio, tornando-se desde então o “braço armado” do partido do Mestre. Com pouco mais de vinte anos, foi nomeado fronteiro do Alentejo e depressa mostrou a sua capacidade militar.
O Mestre nomeiou o seu Conselho tendo por chanceler João das Regras. Neste Conselho participou um eclesiástico e vários legalistas e burgueses. Mais tarde juntar-se-ia a Nuno Álvares Pereira.
Para alimentar a guerra, o Mestre recolheu donativos em dinheiro de moradores de Lisboa e levantou empréstimos em dinheiro e em valores.
De Santarém, e ainda em dezembro, D. Leonor Teles enviou então cartas a D. Juan de Castela dando-lhe conta dos acontecimentos em Lisboa, pedindo-lhe que entrasse em Portugal com o seu exército, para restabelecer a ordem e devolver-lhe a regência do Reino.
Em janeiro, vários castelos de Portugal foram tomados ou aderiram ao Mestre de Avis, como Beja, Portalegre, Estremoz, e Évora. A cidade do Porto apoiou também ao Mestre.
D. Juan I de Castela recebeu a carta em janeiro, quando já se encontrava com o seu exército em Portugal, na cidade da Guarda. Partiu depois para Celorico, passou por Miranda do Corvo, por Tomar, onde se deu uma contenda com os portugueses. Continuou depois pela Golegã, até Santarém, onde chegou a 12 de janeiro.
Em Santarém assumiu o governo de Portugal após ter pressionado D. Leonor Teles a ceder-lhe a regência do Reino. Aí D. Juan I violou o Tratado de Salvaterra de Magos, que previa que D. Leonor se mantivesse como regente de Portugal, até que o filho de D. Beatriz atingisse os 14 anos. D. Leonor sentiu-se atraiçoada e enviou recados a vários alcaides de castelos que a apoiavam referindo-lhes que não entregassem os castelos a D. Juan I de Castela.
D. Juan I passou a chamar-se abertamente Rei de Castela, de Leão, de Portugal, de Toledo e da Galiza. Mandou até cunhar uma moeda. Perante esta evolução foi inevitável a solução militar para tentar sanar a crise política.
Em Santarém, os castelhanos desmandavam, comportando-se como conquistadores. Alguns elementos de Santarém deslocaram-se a Lisboa e incitaram o Mestre a atacar o rei de Castela uma vez que consideravam “que eles os ajudariam”. Este plano não foi, porém, aceite pois as barcas não chegariam mais longe do que até Muge.
D. Juan I de Castela enviou então um destacamento de 1000 homens a Lisboa, pretendendo dar batalha a D. João, Mestre de Avis. O Mestre de Avis decidiu atacar estas forças castelhanas no Lumiar. Tal não chegou, contudo, a suceder pois os castelhanos furtaram-se ao combate, retirando-se para Alenquer e para Torres Vedras.
Em fevereiro D. Juan I de Castela optou por não iniciar o ataque a Lisboa e decidiu dirigir-se para Coimbra e aí tomar o seu Castelo.
Ao descobrir uma conspiração de D. Leonor Teles contra ele, mandou prendê-la e enviou-a como prisioneira para o Convento de Tordesilhas, onde permaneceu até morrer.
Também em fevereiro foram aprisionados alguns navios de abastecimento castelhanos que entraram na barra, com mantimentos para a frota castelhana que julgavam já estar em Lisboa. O pescado apreendido foi então, por vontade do Mestre, utilizado para o abastecimento da capital e para o pagamento de soldos.
No final de fevereiro D. Juan I de Castela desistiu de tomar de assalto Coimbra e dirigiu-se novamente para Santarém. Em março saiu de Santarém para Arruda onde ponderou ou cercar Lisboa ou atacar vários castelos apoiantes do Mestre de Avis. Optou por cercar Lisboa, após a chegada da frota castelhana.
Ao ser informado de uma incursão castelhana no Alentejo, D. João nomeou, em março, Nuno Álvares Pereira, fronteiro da comarca de entre Tejo e Guadiana, com poder absoluto, quer militar, económico ou político. Foi autorizado por D. João a escolher, em Lisboa, 200 cavaleiros, dos quais 40 eram da primeira nobreza, e entre os quais se incluíram Rodrigo Afonso Pimentel, Diogo Lourenço, João Pires, Martim Cotrim, Fernando Martins Brandão, Gomes Martins Zagalo, Afonso Lourenço e Lopo Rodrigues Façanha. Teve também autorização para juntar à sua hoste cerca de mil homens a pé. Nuno Álvares Pereira partiu então para o Alentejo, acompanhado por D. João até à zona de Coina, local onde se despediram.
A 6 de abril de 1384 D. Nuno Álvares Pereira chefiou um pequeno exército de 1500 homens, que derrotou uma força castelhana de cinco mil homens, na Herdade dos Atoleiros, junto à Fronteira. Ficou assim provado que o exército castelhano, apesar de muito superior, não era invencível. Este facto teve um efeito moral extraordinariamente importante junto dos apoiantes de D. João Mestre de Avis.
Após a Batalha dos Atoleiros, D. Nuno Álvares Pereira desenvolveu várias ações no Alentejo fazendo, inclusivamente, algumas cavalgadas em Castela. D. Nuno forçou ainda os castelos de Arronches e de Alegrete a tomar o partido do Mestre.
Perante a notícia de que a frota castelhana se dirigia para Lisboa, partiu para o Porto, a 14 de maio, uma frota portuguesa comandada por Gonçalo Rodrigues da Sousa. Ainda nesse mês tomaram-se medidas que reforçaram a capacidade de resistência de Lisboa no campo dos abastecimentos e da fortificação militar.
A frota castelhana começou a chegar a Lisboa a 26 de maio e no dia 29 o exército castelhano fechou o cerco à cidade. O quartel general do Rei de Castela foi então estabelecido em Santos-o-Velho.
Também em maio os portuenses, ameaçados de cerco pelas forças do arcebispo de Santiago, decidiram travar uma batalha em campo aberto fora da cidade. Reforçados pelos elementos da esquadra portuguesa, entretanto chegada ao Porto, obrigaram os castelhanos a retirar, depois de algumas contendas.
Domingos Peres das Eiras propôs ao Mestre de Avis que fosse a Coimbra convidar o conde D. Gonçalo, irmão da rainha D. Leonor Teles, para comandar a esquadra portuguesa. Com este convite pretendia-se atrair para a causa do Mestre, não só D. Gonçalo, mas também outros portugueses que estariam hesitantes. O Mestre de Avis aceitou que se fizesse o convite e, em Coimbra, D. Gonçalo respondeu afirmativamente ao pedido para comandar a frota portuguesa, mas em troca pretendia receber as terras da sua irmã D. Leonor. Depois de obter de D. Nuno essa permissão D. João concordou, obtendo assim a adesão de D. Gonçalo.
O Mestre escreveu então a D. Nuno, que estava em Évora, pedindo-lhe para que se deslocasse com as suas gentes para o Porto a fim de embarcar nessa frota. D. Nuno aceitou, dirigiu-se para Coimbra e escreveu depois para D. Gonçalo e para Rui Pereira, solicitando-lhes que o aguardassem. Contudo e talvez por não quererem compartilhar esta grandiosa missão, D. Gonçalo Rui Pereira não o esperaram. Nuno Álvares Pereira regressou ao Alentejo, tendo um reencontro com os castelhanos na ribeira de Alapraia.
A frota portuguesa vinda do Porto, composta por 17 naus e 17 galés, enfrentou, a 18 de Julho, à entrada de Lisboa, a frota castelhana, na batalha do Tejo. A frota castelhana era composta por 61 naus, 16 galés, 1 galeota e várias carracas. Os portugueses perderam três naus, vários homens, entre os quais Rui Pereira e ainda foram feitos alguns prisioneiros. A frota portuguesa conseguiu, no entanto, romper a frota castelhana que era muito superior e descarregar no porto de Lisboa os alimentos que trazia. Esta ajuda alimentar veio a revelar-se muito importante para a população que defendia Lisboa.
A 30 de julho e devido à escassez de água, Almada rendeu-se ao rei de Castela. No início de agosto foi descoberta a conjura na qual alguns portugueses abririam as portas de Lisboa aos castelhanos, no dia 15 de agosto. A trama foi descoberta e os implicados foram presos ou expulsos da cidade.
Em agosto, Nuno Álvares, que se encontrava no Alentejo, conquistou o castelo de Monsaraz. Posteriormente deu-se o conflito entre D. Nuno Álvares, que se deslocava para Elvas e o castelhano João Rodrigues de Castanheda, nas margens do Guadiana, junto a Badajoz, quando soube da presença dos castelhanos. D. Nuno acaba por regressar a Elvas, onde toma conhecimento da presença de muitos castelhanos no Crato, aguardando Pedro Sarmento, que por ordem de D. Juan I de Castela, saíra de Lisboa para enfrentar D. Nuno no Alentejo. D. Nuno parte então para Ponte de Sor, por Fonte da Figueira, para impedir a ligação das forças inimigas. Chegado a Avis teve apercebeu-se que as forças castelhanas tinham passado naquele local no dia anterior, pelo que optou por voltar a Cano e dali seguir para Évora. D. Nuno ordenou então ao seu exército no Divor para que combatesse os castelhanos. Estes acabam por cercá-lo, mas não lhe dão batalha, criando assim uma situação muito perigosa para os portugueses. Aproveitando a chuva que caia naquele dia, D. Nuno rompeu o cerco de noite e regressou a Évora. Perante esta situação Pedro Sarmento regressou a Almada. D. Nuno foi no encalço de Pedro Sarmento, passou por Palmela e atacou Almada, mas sem sucesso. Retirou para Coina e depois foi a Palmela onde, durante a noite mandou fazer uma grande fogueira na torre do Castelo, para que fosse vista em Lisboa. D. João, depois de ver esta fogueira, respondeu também com outra feita nos seus Paços.
A 27 de agosto, os portugueses resistiram a uma ação de surpresa dos navios castelhanos sobre o porto de Lisboa, em simultâneo com um ataque terrestre à porta de Santa Catarina. O Mestre encorajou os portugueses a lutar, combatendo ele próprio junto ao rio, onde quase morreu afogado. Os portugueses conseguiram resistir.
Estando a situação muito deteriorada no interior da cidade, sobretudo por falta de mantimentos, o Mestre considerou duas hipóteses: chamar Nuno Álvares Pereira para atacarem em conjunto as forças castelhanas, o que implicava as forças de D. Nuno atravessarem o rio em batéis ou abandonar a cidade com as suas forças, atravessando o rio para a margem sul, para se juntar às forças de Nuno Álvares Pereira e atacar o exército castelhano de norte para sul.
Depois de ouvir as duas hipóteses D. Nuno considerou que ambas eram arriscadas por implicarem uma travessia do Tejo frente a Lisboa e optou por se esperar mais algum tempo. Esta posição foi comunicada ao Mestre.
D. Juan I de Castela decidiu terminar o cerco a Lisboa. Em parte pela determinação das forças portuguesas, que resistiam, e por Lisboa estar bem murada e defendida, com a recente Muralha Fernandina. Mas houve, contudo, outra razão para esta decisão: a epidemia de peste que se propagou entre as forças castelhanas. Na sua fase final esta peste chegou a matar 200 homens por dia. O monarca castelhano decidiu retirar-se para Castela a 3 de setembro. A frota castelhana partiu também para Castela, a 28 de outubro.
Em Lisboa foi realizada uma grandiosa procissão, na qual participou o Mestre de Avis, para dar graças pelo sucesso da resistência de Lisboa. O Mestre de Avis foi ratificado pela nobreza, clero e povo, em juramento solene, como Regedor e Defensor dos Reinos de Portugal e do Algarve. Determinou-se então pela convocação das cortes de Coimbra.
Nuno Álvares Pereira propôs ao Mestre que se surpreendesse o rei de Castela, atacando-o quando saísse de Santarém, em Chão de Couce, aproveitando a oportunidade de fraqueza que a sua situação lhes proporcionava. O Mestre concordou, mas o plano foi posteriormente abandonado pelo facto do rei de Castela ter partido mais cedo do que previam.
A 10 de dezembro de 1384 o Mestre de Avis dirigiu-se para Torres Vedras, para um cerco e onde estava D. Beatriz. Durante o cerco foi descoberta uma conspiração contra a vida do Mestre, por parte do conde Gonçalo Gonçalves, D. Pedro de Castro, João Afonso Bessa e Pedro de Trastâmara. O conde Gonçalo acabou preso e os restantes fugiram.
Com os combates com Castela a diminuírem, a ideologia do Mestre avançou, então, para a batalha política. Entre 3 de março e 6 de abril de 1385 reuniram-se as Cortes, na cidade de Coimbra, com o objetivo principal de dar provimento às despesas de guerra e decidir o trono de Portugal. Nesta assembleia enfrentaram-se as duas correntes principais: a dos apoiantes do infante D. João de Castro e a dos apoiantes de D. João Mestre de Avis, embora também houvesse quem defendesse D. Juan de Castela ou Dona Beatriz. Destacou-se, porém, na argumentação, o doutor João das Regras, que defendia o Mestre de Avis e que explicou detalhadamente por que razão nenhum dos restantes três pretendentes reunia as condições necessárias para ocupar o trono de Portugal. Simultaneamente, Nuno Álvares Pereira, com os seus trezentos escudeiros bem armados, contribuiu também para que as discussões não se prolongassem.
O Mestre de Avis foi então proclamado, a 6 de abril, Rei de Portugal. No dia seguinte ao encerramento destas cortes, D. João I atribuiu a Nuno Álvares Pereira, então com 24 anos, as funções de Condestável, ou seja, de comandante supremo do exército português.
Desde o início de abril de 1385 a frota castelhana voltou a colocar-se em frente a Lisboa, cercando a cidade. O Rei de Portugal foi informado ainda em Coimbra e enviou um embaixador a Inglaterra, não só para obter o seu reconhecimento como Rei, mas para obter do rei de Inglaterra e do duque de Lencastre auxílio militar. Com o objetivo de ser reconhecido como rei, enviou também embaixadores ao Papa e a todas as vilas e cidades portuguesas.
D. João I deslocou-se a 15 de abril ao Porto, onde foi recebido festivamente. D. Nuno Álvares Pereira deslocou-se a Neiva onde conquistou o castelo. Partiu em seguida para Viana do Castelo, onde atacou o castelo que se rendeu perante a investida.
Em 8 de maio D. João I deslocou-se para Guimarães e conquistou de assalto, com a ajuda de elementos que aí viviam, o castelo. O povo da cidade de Braga revoltou-se quando teve conhecimento de que D. João I entrara em Guimarães. Aí D. João I escreveu a D. Nuno Álvares Pereira que estava junto ao Rio Minho, ordenando-o para que fosse tomar o castelo de Braga. D. Nuno dirigiu-se então para Braga e cercou o castelo, que ao fim de um dia se rendeu.
Por volta do dia 13 de maio, depois de se reunir com Nuno Álvares Pereira, em Ponte de Lima, D. João I dirigiu-se com D. Nuno para Braga. No dia seguinte partiram os dois para Guimarães. O alcaide de Guimarães, depois de pedir reforços ao rei de Castela, que se encontrava em Córdova - e que o informou que não o podia socorrer- entrega o castelo a D. João I.
D. João I e Nuno Álvares Pereira debateram então, em Guimarães, a próxima atitude a tomar. Com o conhecimento de que D. Juan I de Castela estaria a cercar Elvas e que pretendia depois dirigir-se para Lisboa. São também informados de que a frota castelhana já estava toda em Lisboa de tal forma que já não seria possível utilizar o rio. Ambos chegam à conclusão que se se permitissem um novo cerco a Lisboa, a cidade cairia e com ela todo o Reino. Então acordaram que a melhor forma de se fazer frente ao perigo existente seria travando uma batalha com o exército castelhano, ainda que este fosse de um enorme poderio.
Partiu então D. João I para o Porto com a finalidade de reunir exército, aguardar o rei de Castela em lugar a definir e combatê-lo.
Perante esta situação e pretendendo defender o direito ao trono de Portugal, por parte da sua mulher D. Beatriz, D. Juan I, rei de Castela, voltou a invadir o país, fazendo um cerco a Elvas a 1 de junho de 1385 e ordenando também uma invasão da Beira, com o objetivo de dividir as forças portuguesas para poder posteriormente avançar sobre Lisboa. Contudo a incursão beirã, comandada por Juan Rodriguez de Castanheda, é esmagada em S. Marcos, junto a Trancoso, naquela que ficou conhecida como a Batalha de Trancoso (travada a 29 de maio de 1385). Elvas resiste ao cerco. Nesta circunstância o rei de Castela levantou o cerco ainda em junho e deslocou-se para Ciudad Rodrigo.
D. João I dirigiu-se com D. Nuno Álvares do Porto para Coimbra e depois para Tomar, onde chegaram a 14 de junho. Daqui dirigiram-se para Torres Vedras, cujo castelo era favorável a Castela. Depois de alguns dias, nos arredores de Santarém, enfrentam algumas contendas. O Tejo é atravessado a 26 de junho, num momento de grande conflito armado durante a travessia. O Rei dirige-se depois para Alenquer onde permanece.
Aqui tomaram-se diversas decisões: Rei aguardou reforços de Lisboa para depois se dirigir para Abrantes; D. Nuno foi ao Alentejo reunir mais forças, juntando-se depois ao Rei em Abrantes; foram chamados os fidalgos da Beira para participarem na batalha que se avizinhava.
Terminado o Conselho, D. Nuno partiu para Évora, local de onde escreveu cartas a todos os homens de armas, peões e besteiros que pretendia levar consigo, pedindo-lhes que viessem rapidamente ter com ele. De Évora deslocou-se para Estremoz.
A 8 de julho de 1385 D. Juan I invadiu novamente Portugal, entrando por Almeida, com um numeroso exército onde se integravam diversos nobres portugueses, seguindo depois por Trancoso, Celorico da Beira, Coimbra, Soure e Leiria. A esquadra castelhana cercou, entretanto, Lisboa por mar, em abril desse ano.
A 10 de julho D. João I saiu de Alenquer e dirigiu-se para Abrantes, onde chegou a 15 de julho. Foi informado de que o rei de Castela já entrara em Portugal. A 30 de julho mandou Martim Afonso de Melo a Estremoz para avisar D. Nuno de que o rei de Castela já havia entrado em Portugal, pedindo-lhe que regressasse imediatamente, com as suas tropas. A 31 de julho o recado foi recebido e D. Nuno levantou o acampamento para partir em direção a Abrantes, depois de pernoitar em Avis. Passou por Ponte de Sor e a 3 de agosto chegou a Abrantes.
A situação era grave pois, por esta altura, muitos alcaides dos castelos do reino obedeciam a Castela. A 6 de agosto, reuniu-se em Abrantes o Conselho de Guerra português, com D. João I e D. Nuno. Discutiram-se ali duas possibilidades: dar batalha ao inimigo, ou optar pela guerra de guerrilha, face ao grande número de homens do exército castelhano. D. João I defendeu a segunda hipótese e propôs uma incursão a Castela, pela Andaluzia, como forma de fazer regressar o exército de D. Juan I de Castela ao seu reino. Nuno Álvares Pereira opôs-se veementemente a esta opção e dispôs-se a oferecer sozinho, com os seus homens, batalha ao rei de Castela, com o desejo de salvar Lisboa e o reino de Portugal. Não havendo acordo dentro do Concelho de Guerra português D. Nuno partiu no dia seguinte sozinho com o seu pequeno exército para Tomar. Mais tarde, após reconsiderar a situação, D. João I mudou de opinião e com o seu próprio exército acaba por se juntar a D. Nuno Álvares Pereira em Tomar, no dia 8 de agosto.
O Condestável mandou então realizar diversos reconhecimentos da marcha e das características do exército castelhano, entre 8 e 10 de agosto. No dia 13 de agosto, por ordem do rei, Nuno Álvares Pereira, com um grupo de cem cavaleiros, partiu em direção a Leiria, tentando observar o inimigo. Apesar de não o conseguir, teve oportunidade de escolher o terreno onde, no dia seguinte se iria travar a batalha. De regresso ao acampamento, comunicou a opção a D. João I. Assim, no dia 14 de agosto, Nuno Álvares Pereira colocou nesse terreno, logo pela manhã, o exército português, dando-se então a batalha de Aljubarrota.
Vale a pena, por último, destacar, como refere o Prof. José Mattoso, “que em 1385, existiam já importantes elementos de união em Portugal: o território está definido e a população, apesar de separada por vedações estatutárias e fossos étnicos, compõe uma nação, de aproximadamente 1 milhão de habitantes. A língua, o rei e toda uma teia de costumes e normas estabelecem os laços da identidade. Mas não há ainda a consciência generalizada dessa identidade. É coisa que está a cimentar-se, na solidariedade, na emulação e no perigo”. Estamos assim perante um processo em curso que, dependente da evolução política e militar, se poderia ou não consolidar.
O significado único da Batalha de Aljubarrota:
Como refere João Gouveia Monteiro, a batalha ocorrida no planalto de S. Jorge no dia 14 de Agosto de 1385 constituiu um dos acontecimentos mais decisivos da História de Portugal. Sem ela, o pequeno reino português teria, muito provavelmente, sido absorvido para sempre pelo seu poderoso vizinho castelhano. Sem o seu contributo, o orgulho que temos numa história largamente centenária, configurando o estado português como uma das mais vetustas e homogéneas criações políticas do espaço europeu, não seria hoje possível. Ao vencer o seu rival castelhano naquela tarde de 14 de Agosto, o recém-eleito D. João I não só abriu as portas à Segunda Dinastia portuguesa, como também possibilitou a preparação daquela que seria a época mais brilhante da história nacional - a época dos Descobrimentos. Aljubarrota deu, portanto, direta e indiretamente, um novo contorno à história de Portugal e do próprio Mundo, cujo extraordinário significado repercutirá para sempre pelos séculos fora.
Mas, mesmo vista à sua escala medieval, a Batalha de Aljubarrota, como veremos seguidamente, não pode deixar de ser considerada uma ocorrência da maior importância política, militar e diplomática.
Assim e do ponto de vista político, a batalha decidiu - como raras vezes acontecia com as pelejas medievais - a disputa política que dividia a Península e o próprio reino de Portugal, desde outubro de 1383. A partir de Aljubarrota, e apesar de, durante muito tempo D. Juan I não ter perdido a ideia de regressar a Portugal para se vingar, não mais os castelhanos voltaram a ser capazes de reunir um conjunto de tropas suficiente para ameaçar a integridade territorial do pequeno reino lusitano. Na sequência de uma inteligente estratégia de pressão desenvolvida ao longo das duas décadas seguintes, Portugal acabaria por forçar a paz, assinada em Ayllón (Segóvia) a 31 de outubro de 1411. O destino lusitano pode, então, assumir outros contornos, esculpidos, primeiro, nas praças marroquinas do Norte de África, e, mais tarde, no azul dos oceanos que conduziram à Índia e ao Brasil.
Após a vitória nos campos de Aljubarrota, o pequeno partido que à, morte de D. Fernando, se agrupara em redor do Mestre de Avis, pode, enfim, respirar fundo: logo depois da batalha, a poderosa Santarém caiu nas mãos do monarca eleito em Coimbra, seguindo-se-lhe Leiria, Óbidos, Alenquer, Vila Viçosa e, a curto prazo, todas as outras bolsas de resistência que - sobretudo no Alto Minho – mantinham voz por D. Beatriz.
Do ponto de vista estritamente militar, a batalha de Aljubarrota configurou um dos marcos mais representativos da evolução dos sistemas e dispositivos táticos utilizados na guerra praticada no Ocidente europeu nos finais da Idade Média. Desde o triunfo da “Cavalaria Pesada”, nos meados do Séc. XI, e até ao primeiro quartel do Séc. XIV, o desfecho da esmagadora maioria das batalhas campais europeias fora decidido pela capacidade ofensiva dos combatentes montados. Mas na primeira metade do Séc. XIV um novo modelo de guerra começou a impor-se. Em várias zonas da Europa - Países Baixos, Ilhas Britânicas, Suíça – ensaiaram-se novas táticas assentes predominantemente em corpos de infantaria, que vieram demonstrar a capacidade das forças apeadas derrotarem contingentes de cavalaria, mesmo quando em situação numérica desfavorável. Estas novidades chegaram a território francês em meados da centúria, no contexto da Guerra dos Cem Anos. Na Batalha de Crécy (travada a 26 de agosto de 1346) e, dez anos mais tarde, em Poitiers (19 de setembro de 1356), os exércitos ingleses envolvidos na Guerra dos Cem Anos puderam, enfim, pôr em prática, com resultados devastadores, um novo modelo tático que alteraria completamente o equilíbrio militar tradicional. Esse novo sistema assentava na combinação de corpos de homens de armas desmontados, armados com lanças, com corpos de atiradores, armados com arco ou besta posicionados nas alas (geralmente em posição levemente avançada), uns e outros defendidos por uma forte retaguarda de reserva, na maioria dos casos montada e chefiada pelo próprio rei. O segredo completava-se com uma atitude estratégica ofensiva (tomar a dianteira e escolher o terreno, provocar o adversário, precipitar o combate), sabiamente combinada com uma postura tática eminente defensiva (procurar o abrigo de obstáculos naturais, associar-lhes obstáculos artificiais por via de escavações e de empilhamento de materiais, aguardar a investida inimiga). Durante décadas, o novo sistema tático inventado pelos ingleses massacrou a numérica e militarmente muito mais poderosa cavalaria francesa, incapaz de se adaptar à nova lógica militar. Mas a experiência não decorreu apenas nos palcos da Guerra dos Cem Anos. Com efeito, em 1367, em Nájera (Navarra), e, sobretudo, em 1385, em Aljubarrota, o sistema foi também posto em prática e aperfeiçoado, com os resultados devastadores que se conhecem. O combate de S. Jorge, onde - convém não esquecer - lutaram muitas centenas de homens de armas ingleses e franceses, correspondeu, assim, à entrada na fase da maturidade de um novo sistema militar, ao mesmo tempo que constituiu um dos mais emblemáticos exemplos europeus da sua genialidade.
Finalmente e do ponto de vista diplomático, a Batalha de Aljubarrota privilegiou definitivamente a aliança de Portugal com Inglaterra, que se materializou no ano seguinte, em 1386, através do Tratado de Windsor. Esta aliança diplomática com Inglaterra chegou até aos nossos dias. Por outro lado, definidas as fronteiras terrestres com Castela, e estabelecido com Castela o Acordo de Paz em 1411, ficou perfeitamente entendido em Portugal e mesmo em Castela, que a identidade do povo português estaria definitivamente associada à independência do Reino de Portugal.
Os principais momentos da Batalha:
No dia 14 de agosto, logo pela manhã, o exército de D. João I ocupou uma posição fortíssima no terreno, escolhida na véspera por Nuno Álvares Pereira. É a chamada “Primeira Posição”, no extremo Norte do planalto de S. Jorge, controlando a estrada medieval (herdeira da via romana). A vanguarda do exército castelhano, que partira dos arrabaldes de Leiria e seguia por essa mesma via, começou a avistar o local ao final da manhã. Analisada a situação e ponderado o risco, decidiram evitar o choque com os portugueses, uma vez que isso implicaria a subida de um terreno em condições extremamente desfavoráveis. Preferiram tornear a posição portuguesa pelo lado do mar, utilizando a rede de caminhos secundários, para retomarem a via principal mais a sul, na esplanada do Chão da Feira. O exército português constituído por aproximadamente 8.000 homens de armas, moveu-se, então, uns dois quilómetros para Sul e inverteu a sua posição de batalha para ficar voltado para Sul, encarando de frente o inimigo.
Confiante na sua superioridade numérica, a hoste castelhana, admitiu combater. Enquanto isso, o exército português tirou o máximo partido da sua nova posição no planalto de S. Jorge. A frente era bastante estreita e achava-se bordejada, a nascente e a poente, por duas linhas de água, que coincidiam com outros tantos barrancos. A espera permitira também efetuar, ou completar, uma série de fortificações acessórias, destinadas a reforçar a proteção dos flancos e a criar dificuldades ao avanço castelhano. Assim, rasgaram-se fossos e cavaram-se covas-de-lobo, que escavações arqueológicas (de Afonso do Paço, nos anos 60 do Séc. XX, e outras mais recentes) colocaram a descoberto. Cortaram-se e empilharam-se troncos de árvores, formando-se com eles "abatises". Depois, uma grande parte deste dispositivo de defesa foi disfarçada com ervas e ramagens.
A hoste portuguesa desenhou, então, no terreno, uma espécie de quadrado. A vanguarda, comandada por Nuno Álvares Pereira, comportava homens desmontados armados com lanças. Lateralmente e avançando em relação a esta linha, duas alas formadas por corpos de arqueiros e besteiros. Duzentos ou trezentos metros atrás da vanguarda, estava a retaguarda ou reserva, também ela apeada e comandada por D. João I. Ao fundo de tudo ficou estacionada a carriagem, ou trem de apoio. Os flancos foram forrados com tropas de composição mista.
A vanguarda castelhana, formada a uns 700 metros a Sul, incluiu um grande número de "lanças" dispostas em várias fileiras. Em cada uma das alas havia centenas de cavaleiros. A retaguarda, ainda incompleta quando se iniciou o combate, reunia alguns milhares de "homens de armas", distribuídos por várias linhas.
Depois de estacionado na esplanada de Chão da Feira, o monarca castelhano reuniu o seu conselho de guerra, tendo sido defendidas duas grandes posições:
- Aqueles que defenderam que não se deveria atacar, argumentando que já era tarde, as tropas estavam cansadas, não tinham comido e o inimigo encontrava-se numa boa posição. Dentro desta opção discutiram-se duas alternativas possíveis: não tomar qualquer atitude, ordenando as forças e aguardando, o que levaria os portugueses a ter de tomar a iniciativa, saindo da sua posição e perdendo a vantagem; ou ignorar o exército português e continuar a progressão para Lisboa, que era o objetivo da expedição.
- Aqueles que defenderam que se devia atacar, resolvendo imediatamente o problema, sublinharam que seria uma grande desonra mostrar medo de tão pequeno exército. Em defesa desta opção destacou-se o nobre português D. João Afonso Telo.
Por decisão (ou como consequência de alguma indecisão que gerou desobediência), concretizou-se a opção de atacar. Seguiram-se diversos acontecimentos, dos quais podemos destacar os seguintes:
1.º Das 17:45 até às 18:15 - o primeiro assalto:
Enquanto D. Juan I reunia e ouvia o seu conselho de guerra, 16 trons foram instalados à frente da vanguarda do exército castelhano, a cerca de 800 metros da vanguarda do exército português. 100 metros atrás, ou seja, a 900 metros da vanguarda do exército português, estava a primeira linha da vanguarda castelhana, composta na sua grande maioria por cavaleiros franceses. Cerca de 600 metros atrás da primeira linha, estava D. Juan I de Castela, com a sua escolta. Nessa segunda linha começavam-se a estabelecer, à medida que chegavam, o resto das lanças montadas, dos peões e dos besteiros. Um pouco atrás, tinha-se montado a tenda real e algumas outras, onde se colocaram diversas bagagens.
Quando se tomou evidente que um conjunto de cavaleiros ia iniciar o ataque às posições portuguesas, os referidos trons dispararam as suas cargas (pelouros de pedra), dando início à Batalha de Aljubarrota. Um desses tiros atingiu a ala direita portuguesa, matando dois escudeiros portugueses e um arqueiro inglês. Estes tiros causaram uma grande consternação na hoste portuguesa, uma vez que a grande maioria dos homens de armas portugueses desconhecia esta arma. Um escudeiro português disse nesse momento: "não tenhais medo, pois eu vi os dois homens que morreram há oito dias entrarem numa igreja e matarem o clérigo que aí dizia missa. Isto significa que Deus, que nos vai dar hoje a vitória, não quer que estes dois homens nela participem, ou beneficiem da sua honra!" E todos os que isto ouviram, redobraram o seu propósito de lutar contra os seus inimigos.
O Condestável português havia entretanto desmontado e, rodeado pela sua guarda pessoal de 50 escudeiros, encontrava-se junto à bandeira, instalada numa pequena colina, no local onde hoje se encontra a Ermida de São Jorge. A vanguarda dispunha de 600 lanças dispostas possivelmente em três fileiras, ao longo de 180 metros. A ala esquerda, a Ala dos Namorados, mais próxima do Condestável, era comandada por Mem Rodrigues de Vasconcelos e pelo seu irmão Rui Mendes. Esta ala, onde sobressaía uma grande bandeira verde, dispunha de aproximadamente 400 besteiros, 200 lanças e 650 homens a pé. A ala direita, que dispunha de aproximadamente 200 arqueiros ingleses, 100 besteiros, 200 lanças e 750 homens a pé, era comandada por Antão Vasques. Sobre ela pairava a bandeira de São Jorge. Os dois lados da sua saliência ocupavam 260 metros.
Poucos minutos depois, pelas 17:45 horas, a vanguarda do Rei de Castela, constituída por cerca de 2.000 cavaleiros, na sua quase totalidade tropas auxiliares francesas, iniciou o ataque. Avançando a galope, estes cavaleiros passaram a estar, a partir dos 400 metros, debaixo do alcance dos virotões dos besteiros portugueses. A menos de 300 metros passaram a receber igualmente as setas disparadas pelos arqueiros ingleses, armados com os temíveis long bows (arcos longos). Atingidos pelos virotões primeiro e depois também pelas flechas, cavalos e cavaleiros começam a cair. À medida que a zona central do planalto foi ficando mais estreita, foram-se apertando uns contra os outros. As baixas começaram a multiplicar-se e a confusão foi alastrando. Os cavalos e cavaleiros caídos por terra e feridos arrastaram consigo outros, que caíram igualmente. Devido ao peso das suas armaduras e às feridas sofridas, os cavaleiros tinham dificuldade em se levantar. A menos de 250 metros da vanguarda portuguesa, os cavalos começaram a cair nas covas-do-lobo e nos fossos criados pelos portugueses. Os cavaleiros que mesmo assim conseguem chegar a menos de 100 metros da vanguarda portuguesa, saltando com os seus cavalos os fossos e as covas-do-lobo, estavam sujeitos a um crescente aperto, devido à existência dos abatises que estreitavam o acesso à vanguarda portuguesa. Com falta de espaço, sujeitos aos contínuos disparos de virotões e flechas e às quedas dos seus cavalos, muitos cavaleiros desmontaram e procuram continuar a combater a pé. Contudo, além de não conseguirem romper a vanguarda portuguesa, foram sujeitos a um forte ataque dos homens de armas portugueses da vanguarda, com lanças e armas de choque.
Combatendo isoladamente do resto do exército castelhano, que ainda não tinha avançado, os cavaleiros franceses sobreviventes lutaram desesperadamente, mas acabaram por ter de se render aos portugueses. Foram então aprisionados cerca de mil cavaleiros franceses, que foram levados para trás da vanguarda portuguesa. Alguns começaram a negociar o resgate. A maioria aguardava a chegada do exército de Castela, confiantes que os viriam livrar do cativeiro.
2.º Das 18:15 até às 19:30 - o segundo assalto:
Observando, à distância, o desenrolar dos acontecimentos e tendo recebido os relatos de alguns cavaleiros franceses que tinham conseguido regressar para junto da posição castelhana, D. Juan I tomou, pouco depois das 18:00 horas, conhecimento da terrível notícia: alguns nobres castelhanos aconselharam o Rei de Castela: "Meu Senhor, o sol já está posto, pelo que não devemos continuar aquela hora o combate; devemos antes esperar pelo amanhecer, e reagrupar até lá as nossas tropas, que não comeram e estão cansadas". Contudo, D. Juan I respondeu: "Quem tal conselho dá não preza a minha honra, pois nunca poderei deixar presos em mãos inimigas cavaleiros do meu exército".
Tocaram então as trombetas e os tambores muito fortemente, e ouviram-se vozes que gritavam “Por Santiago! Por Santiago!” e “A eles! A eles!”. O exército castelhano iniciou pelas 18:15 horas o avanço com a sua vanguarda, alas, e retaguarda. Na primeira linha vinham cerca de três mil cavaleiros, na sua maioria castelhanos mas também vários nobres portugueses, entre os quais o Conde D. João Afonso de Teles, irmão de D. Leonor Teles. Estes cavaleiros avançavam organizados em três filas, cada uma com mil cavaleiros. A maior parte destes cavaleiros estavam munidos de longas lanças. Numa segunda linha, algumas centenas de metros atrás, vinham cerca de quatro mil ginetes, para além de cerca de 500 besteiros castelhanos e diversos homens de armas. Com o exército castelhano avançou a bandeira do monarca castelhano, onde se viam os brasões de Castela e de Portugal, e muitas outras bandeiras e estandartes da nobreza castelhana.
Embora no início do avanço as linhas castelhanas estivessem alinhadas, depressa começaram a ter dificuldade em manter as filas paralelas, devido à configuração do planalto. As duas alas viram-se impedidas de progredir pelos flancos. A vanguarda castelhana continuou o seu avanço, e as alas, comprimindo-se, procuraram segui-la. O conjunto tornou-se primeiro convexo, e depois informe e compacto. Quando ultrapassou a linha dos 400 metros de distância das forças portuguesas, a vanguarda castelhana passou a estar também sob o efeito dos virotões dos besteiros portugueses, provocando a queda de cavalos e cavaleiros e causando vários mortos e feridos. A partir de então, face aos obstáculos artificiais que se avistavam e da falta de espaço para os cavalos poderem avançar livremente, a maioria dos cavaleiros castelhanos desmontou e tentou percorrer a pé as escassas centenas de metros que faltavam para atingir o exército português. As suas compridas lanças, que se destinavam a combate montado, seriam quebradas para se adaptarem à luta corpo a corpo que se avizinhava. Contudo, nem todos os cavaleiros castelhanos desmontaram e algumas dezenas conseguiram chegar à zona da vanguarda portuguesa.
A partir do momento em que sentiram que estavam debaixo dos virotões e das flechas, tanto cavaleiros como homens a pé procuraram acelerar o passo. Devido à grande concentração de homens, ao progressivo estreitamento da frente de batalha e aos obstáculos artificiais existentes (covas-do-lobo e fossos) que lhes provocaram continuamente quedas, os atacantes foram-se acotovelando, tropeçando em corpos de homens estendidos no chão e viram-se cada vez mais apertados. Devido a este estreitamento no espaço disponível para o avanço, a retaguarda castelhana estava já encostada à vanguarda castelhana, de tal forma que constituíam apenas um conjunto único de homens. Os cerca de 400 besteiros castelhanos que acompanhavam os homens de armas da vanguarda, viram-se incapazes de utilizar eficazmente as bestas, por não terem campo de tiro livre. Entretanto os homens de armas iam sendo atingidos pelas flechas e virotões dos atiradores ingleses e portugueses.
Todas estas circunstâncias fizeram com que os últimos 300 metros, antes de ser atingida a vanguarda portuguesa, fossem percorridos com um grau crescente de dificuldades. Não podendo atacar pelos flancos, dadas as duas linhas de água que torneavam o planalto e não podendo vencer os obstáculos artificiais que se deparavam no terreno (abatises, fossos e covas de-lobo), os castelhanos foram convergindo para o centro do planalto, convertendo-se numa massa confusa, amontoada e disforme. Perderam velocidade de progressão no terreno e o número de baixas foi aumentando. A compressão foi de tal ordem que muitos castelhanos mortos não apresentavam qualquer ferimento, tendo morrido esmagados ou sufocados.
Perante este avanço, os portugueses tocaram as suas trombetas, e a vanguarda avançou em boa ordem, passo a passo, com as lanças debaixo do braço, apontadas a direito, numa frente de aproximadamente 250 metros de largura.
Apesar da investida castelhana ter abrandado a velocidade, de ter sido encaminhada para um estreito corredor em frente do exército português e do elevado número de baixas sofridas durante o processo de aproximação, cerca de 2.000 homens castelhanos chegou ainda com alguma força à vanguarda portuguesa, mais junto à ala esquerda portuguesa, perto da zona onde se encontrava Nuno Álvares Pereira e a sua bandeira. Deu-se então o choque com a vanguarda portuguesa, onde, num primeiro momento, cada parte procurou crivar as suas lanças nos inimigos. Simultaneamente, os besteiros portugueses e arqueiros ingleses continuaram a flagelar os assaltantes castelhanos. Nos intervalos dos seus lançamentos, os peões portugueses, situados atrás dos besteiros e arqueiros, arremessaram um elevado número de pedras e lanças. Nesse momento, e neste segundo assalto, já os assaltantes castelhanos tinham sofrido cerca de três mil feridos e mortos.
Após os momentos iniciais do choque, as lanças de ambas as partes tinham sido crivadas ou lançadas, deixando portanto de poder ser usadas. Os combatentes de ambas as partes passaram então a usar outras armas, como espadas, punhais ou machados. O combate transformou-se numa violenta luta corpo a corpo, que se prolongou por vários minutos. No meio de uma grande gritaria de parte a parte, Nuno Álvares Pereira clamava: "Ah, portugueses, lutai por vosso rei e por vossa terra!".
Na sequência desta luta brutal, cujo barulho pode ser ouvido a longa distância, a vanguarda portuguesa acabou por ceder, abrindo a passagem a cerca de 1.500 homens de armas castelhanos. Outros castelhanos ficaram a enfrentar a parte não destroçada da vanguarda portuguesa. A coluna de assaltantes que conseguiu forçar a linha de vanguarda continuou a avançar de forma desordenada, o que aumentou o atropelo. A rutura da vanguarda portuguesa deu-se junto à ala esquerda, ou seja, a Ala dos Namorados, razão pela qual houve aí maior número de baixas portuguesas. Mem Rodrigues de Vasconcelos e o seu irmão Rui Mendes, que comandavam esta ala, foram alguns dos que ficaram feridos.
Perante a rutura da vanguarda portuguesa, as duas alas laterais recuaram, colocando-se entre a vanguarda e a retaguarda portuguesa. Com efeito, e não havendo inimigos que estivessem a atacar as alas, os besteiros portugueses e os arqueiros ingleses puderam recuar e virar-se para o interior do "quadrado" português, alvejando os assaltantes castelhanos que aí se haviam introduzido. O mesmo faziam os homens de armas portugueses aí situados, que atacavam os assaltantes com as suas lanças.
Contudo, este movimento das alas portuguesas não conseguiu impedir o avanço dos castelhanos. A retaguarda, onde se encontrava D. João I, obedecendo à ordem do monarca, avançou. O rei gritou: "Avante, senhores, avante! Por São Jorge e Portugal de que eu sou Rei!". Correndo para os assaltantes, a retaguarda portuguesa provocou o choque a cerca de 150 metros a norte da vanguarda portuguesa, a que se seguiu um duro combate. Os portugueses utilizaram neste combate as suas espadas, punhais e fachas. Os homens de armas portugueses da retaguarda tinham, a poucos metros atrás de si, os seus pajens e tratadores com os seus cavalos à mão. Quando estes homens de armas portugueses avançaram em direção ao inimigo, foram seguidos por eles.
Após este choque, os castelhanos deixaram de avançar. Com este movimento, que assume uma importância decisiva na batalha, os assaltantes castelhanos ficaram pressionados por vários lados pelos portugueses. Com efeito, sendo atacados violentamente por três lados, os homens de armas castelhanos sofreram baixas significativas. A norte enfrentavam a retaguarda portuguesa, com cerca de 2.000 homens de armas. A este e oeste as alas portuguesas, com cerca de 1.200 peões, besteiros e arqueiros. E a sul, cerca de 350 lanças, que haviam sobrevivido ao rompimento castelhano. Foi nesta fase que se deu o combate a pé entre D. João I e um cavaleiro castelhano, D. Álvaro Gonçalves de Sandoval. O Rei de Portugal, ao procurar desferir um golpe, foi derrubado e ficou privado da sua arma, uma facha. Surgiu então um cavaleiro português, D. Martim Gonçalves de Macedo que, colocando-se entre o Rei e o cavaleiro castelhano, conseguiu desferir um golpe e matar o cavaleiro castelhano, salvando a vida do rei de Portugal.
Enquanto alguns castelhanos continuavam a combater, outros, feridos e cientes do desfecho que se avizinhava, começaram a fugir. A bandeira castelhana foi derrubada, o que aumentou a desorientação entre as forças de D. Juan I. Alguns fugiram em direção ao arraial castelhano e este movimento foi observado por alguns pajens portugueses, que exclamaram: "Já fogem, já fogem!". Este grito contribuiu para que os restantes sobreviventes castelhanos, cerca de 500, fugissem também.
Os portugueses conseguiram assim em primeiro lugar parar o avanço castelhano, e posteriormente, à custa de luta corpo a corpo, empurrar progressivamente os castelhanos para sul, e depois, mesmo para fora da sua vanguarda. Este movimento fez com que muitos, recuando a lutar, caíssem na ribeira aí existente e nos fossos construídos pelos portugueses. Isto sucedeu também com os cavaleiros castelhanos que continuaram a avançar montados, e que saltaram com os seus cavalos um fosso que existia em frente da vanguarda portuguesa. Todos foram derrubados dos cavalos, e nenhum sobreviveu. Neste aspeto, repetiu-se o que havia já sucedido com os cavaleiros franceses aquando do primeiro assalto.
Neste momento as alas portuguesas recolocaram-se na sua posição inicial e ainda tinham alguns projéteis por utilizar. A vanguarda portuguesa, embora desfalcada, tinha conseguido restabelecer a sua frente. Mas a segunda linha castelhana, em organização ao longe, constituía uma ameaça.
Generalizou-se então a fuga dos assaltantes castelhanos em direção ao acampamento castelhano. A segunda linha castelhana, onde estava o rei de Castela, começou a formar para iniciar o ataque à posição portuguesa. Contudo, ao deparar com um imenso pelotão de castelhanos que retrocediam, desmoralizou e acabou por não iniciar o seu ataque.
Nesta altura, pelas 18:45 horas, perante o desnorte dos castelhanos, os portugueses tomaram a iniciativa. Procurando explorar o sucesso, passaram à ofensiva, gritando, e perseguindo a cavalo os adversários que tinham sobrevivido e que procuravam fugir. Este movimento de contra-ataque a cavalo, prolongou-se até à tenda Real de D. Juan de Castela, e em direção a Leiria até à Canoeira. Foi na Canoeira que caiu em mãos portuguesas o altar de campo de rei de Castela.
Por esta altura, muitos cavaleiros castelhanos tentaram fugir, cavalgando para longe do campo de batalha. Uns largaram as suas armas para mais facilmente poderem fugir. Outros viraram as suas roupas do avesso, de forma a não poderem ser reconhecidos como castelhanos. Muitos, com medo, saíam das estradas e metiam-se no mato, acabando por se perder.
3.º Das 19:00 até às 19:45 - o assalto à carriagem portuguesa:
A ala esquerda castelhana, chefiada por Don Gonçalo Nunes de Gusmão, composta por aproximadamente 700 cavaleiros, havia desde o início deste segundo assalto avançado pela zona do Tojal, contornando a ala esquerda do exército português. Vendo que o ataque frontal ao exército português não era possível, devido ao Vale da Mata que tinha diante de si e que torneava a ala esquerda portuguesa, optou por avançar mais pela direita, longe do exército português. Mais a norte, tendo já contornado completamente o exército português, subiu ao planalto de São Jorge, infletiu para sul, e atacou a carriagem portuguesa. Este ataque verificou-se aproximadamente no momento em que se iniciou o contra ataque português à tenda real de Castela.
Don Gonçalo Nunes de Gusmão contava que o assalto do exército castelhano à vanguarda portuguesa durasse bastante mais tempo de que sucedeu, pelo que, ao atacar a carriagem portuguesa, submeteria o exército português a dois ataques simultâneos, um na vanguarda, outro na retaguarda. Contudo, o seu ataque ocorreu quando o ataque castelhano à vanguarda portuguesa já tinha terminado, cerca das 19:00 horas, e quando muitos castelhanos já estavam em fuga. Não deixou contudo de ser um ataque violento, que se traduziu em várias investidas na zona da carriagem. A carriagem portuguesa era defendida por homens a pé e besteiros, que entrincheirados por detrás das bagagens, de carroças derrubadas e de outros obstáculos artificiais que conseguiram utilizar, atiravam pedras, lanças e disparavam virotões. Sabendo que o ataque principal castelhano já tinha sido repelido, e que não tardariam a chegar reforços, os portugueses aguentaram estes ataques, embora em grande dificuldade.
Perante a situação difícil em que se encontrava a carriagem portuguesa, D. João I avisou D. Nuno Álvares Pereira, dizendo-lhe que socorresse imediatamente aqueles portugueses. Estando cansado e não dispondo de cavalo, temeu não conseguir chegar a tempo, uma vez que a carriagem se situava a cerca de 350 metros a norte. Valeu-lhe então o comendador-mor Pêro Botelho que, montado, se apeou e cedeu o cavalo ao condestável. Quando D. Nuno chegou, acompanhado por outros homens de armas portugueses, exortou os portugueses que defendiam essa posição, dando-lhes palavras de incentivo. Por isso mesmo, a peonagem portuguesa ganhou um novo alento e resistiu enquanto os ginetes castelhanos, ao verem que o Condestável português se apresentara com reforços, acabaram por desistir do ataque.
4.º A partir das 19:15 – a retirada de D. Juan I de Castela:
Perante a debandada geral castelhana, os homens da guarda de D. Juan I colocaram o monarca doente num cavalo e, com uma escolta de cem cavaleiros, abandonaram o campo de Aljubarrota dirigindo-se para Santarém, evitando que o monarca castelhano caísse prisioneiro. Um jovem nobre português, Vasco Martins, que havia jurado matar o monarca castelhano, montou também num cavalo e conseguiu ao fim de alguns quilómetros misturar-se com os cavaleiros castelhanos que acompanhavam D. Juan. Contudo a cruz de São Jorge, que trazia na sua roupa, denunciou-o, sendo então morto pelos cavaleiros castelhanos.
Don Juan de Castela chegou a Santarém cerca da meia-noite, doente, exausto e desesperado. Embarcou nessa mesma noite em direção a Lisboa, onde chegou no dia seguinte, 15 de agosto, onde embarcou na sua frota seguindo, por mar e em segurança, até Sevilha.
Perante a debandada geral do exército castelhano seguiu-se uma curta, mas devastadora perseguição portuguesa durante o final da tarde. O escudeiro inglês Harteaelle discutiu com D. João I, pedindo cavalos para que os cavaleiros portugueses pudessem perseguir os fugitivos. O Rei recusou, pois era tarde e o inimigo ainda era muito poderoso, referindo: "Quem tudo quer tudo perde. Agradeçam a Deus que nos deu a honra e a vitória".
O exército castelhano precipitou-se numa fuga desorganizada. Até à manhã do dia seguinte, milhares de castelhanos em fuga foram chacinados por populares nas imediações do campo de batalha e nas aldeias vizinhas. O restante das forças franco-castelhanas saiu de Portugal uma parte passando por Santarém e depois por Badajoz, outra rumando a Norte e Leste, através da Beira.
No campo de batalha, as baixas portuguesas foram: mais de mil mortos, enquanto no exército castelhano se situaram aproximadamente nos quatro mil mortos e cinco mil prisioneiros. Fora do campo da batalha, terão sido mortos nos dias seguintes pela população portuguesa, cerca de cinco mil homens de armas castelhanos, em fuga. Não apenas pelo desfecho da Batalha, mas também pelo número de mortes verificado entre os seus nobres e homens de armas, Castela mergulhou num luto profundo até ao Natal de 1387.
Consequências da Batalha de Aljubarrota:
Embora o tratado de paz final com Castela só tenha sido assinado em 1411, em Ayllón (Segóvia), o desenlace da batalha de Aljubarrota foi uma pedra angular na garantia da independência do reino de Portugal, tornando possível o desenvolvimento de fenómenos inovadores, na vida coletiva do País:
Frustrando as pretensões do rei de Castela ao trono português, Aljubarrota evitou, muito provavelmente, que Portugal fosse absorvido para sempre pelo seu poderoso vizinho castelhano. Nos campos de Aljubarrota assegurou-se a independência de Portugal e sancionou-se a legitimidade da Segunda Dinastia, a Dinastia de Avis.
Tornou-se possível o estabelecimento de um novo tratado de aliança luso-britânico, que foi assinado em Windsor em maio de 1386. Em consequência desse Tratado, D. João I recebeu por esposa D. Filipa de Lencastre, filha do Duque de Lencastre, concretizando a união entre as casas reais portuguesa e inglesa.
Portugal suspendeu, no essencial, o objetivo de expansão para norte e para leste, à custa de Castela, que tinha sido alimentado nos conflitos fernandinos. A circunstância da paz com Castela permitiu uma relativa estabilização das fronteiras terrestres de Portugal.
Resolvido o problema militar e de independência com Castela, o País pode reorientar as suas prioridades. Poucos anos depois de firmada a paz definitiva com Castela iniciava-se a primeira etapa da expansão marítima, com a conquista de Ceuta em 1415. Portugal iniciava a Época dos Descobrimentos Marítimos, onde conheceu algumas das páginas mais brilhantes da sua História.
Em conclusão, a Batalha de Aljubarrota proporcionou definitivamente a consolidação da identidade nacional, que até então se encontrava apenas em formação, e permitiu às gerações futuras portuguesas a possibilidade de se afirmarem como nação livre e independente.
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