Epidemia da febre amarela
Resumo
A exploração da Mata Atlântica e a epidemia da febre amarela - uma doença trazida de longe.
Sugestão para o professor
Sobre as doenças no Brasil do século XIX, entre elas a febre amarela e as controvérsias científicas a respeito de sua origem, ver Da colonização à abolição: a história das epidemias no Brasil (Canal USP, 2020, 7' 25"), disponível em:https://www.youtube.com/watch?v=HRTkFCe7xwI .
Vídeo: Entrevista do Prof. Sérgio Lucena Mendes ao Bom Dia ES esclarecendo sobre a situação da febre amarela no estado e a ameaça aos macacos! Canal: Move Inma. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VwgUtl8BeXs
Detalhamento da linha do tempo do estudante
Até dezembro de 1849, a febre amarela havia ocorrido apenas esporadicamente na cidade do Rio de Janeiro. Entre o final desse ano e o início de 1850, a doença assumiu dimensão epidêmica, com surtos anuais contínuos até 1902, os quais vitimaram mais de 58 mil pessoas. Diferentemente dos pequenos surtos ocorridos anteriormente, a epidemia de 1849-1850 fez muitas vítimas fatais também entre os membros da elite da capital, incluindo a própria família imperial: dos 166 mil habitantes, mais de 90 mil foram atingidos pela doença, sendo mais de 4.160 vítimas fatais, incluindo um filho de d. Pedro II. A febre amarela é uma doença causada por um vírus, cujo principal vetor de transmissão é o mosquito Aedes aegypti . Tanto o vírus quanto o vetor são provavelmente originários da África, onde o mosquito se adaptou aos ambientes domésticos dos humanos por volta de 200 a.C. A migração da febre amarela para o Novo Mundo foi uma das conseqüências do tráfico de africanos, pois o mosquito e o vírus cruzavam o Atlântico, respectivamente, nos navios negreiros e nos corpos de pessoas infectadas, para se instalarem primeiramente nas cidades portuárias brasileiras e, em seguida, nas periferias urbanas e mesmo nas áreas rurais. O vírus da febre amarela adaptou-se a um ciclo silvestre em decorrência da exploração florestal que levava roceiros pobres do Recôncavo da Guanabara a comercializarem suas madeiras nas praias da cidade, onde eram picados pelo mosquito e voltavam infectados com o vírus para as áreas florestais onde habitavam, dando início ao ciclo silvestre da doença. "Esses indivíduos eram picados por mosquitos da família dos Haemagogus, os quais permaneciam infectados por toda a sua vida. Além disso, macacos também podiam ser infectados e sabemos hoje que todas as espécies encontradas no Brasil são sensíveis à doença. Os Haemagogus são mosquitos hematófagos de atividade diurna que habitam as copas das árvores, exatamente onde espécies como o macaco-prego vão buscar frutas, sementes, insetos e pequenos vertebrados para se alimentar. Embora os macacos não sejam reservatórios do vírus – porque morrem ou adquirem imunidade –, eles são dispersores importantes. É possível que essa adaptação tenha ocorrido antes da primeira grande epidemia carioca" (CABRAL, 2011, p. 177).
Figura 50 - Aedes aegypti: macho à esquerda e fêmea ao centro e à direita.
Figura 51 - Mosquito do gênero Haemagogus
Figura 52 - Macaco-prego (Sapajus xanthosternos)
Curiosidades 1:
Você sabia que, antes de vigorar o entendimento atual sobre o ciclo epidemiológico da febre amarela, a explicação mais aceita era a da "teoria dos miasmas"? Segundo essa teoria, criada no século XVIII, tanto a febre amarela como muitas doenças teriam surgido a partir de “emanações pútridas” (os miasmas), as quais se desprendiam da matéria orgânica em decomposição e das águas estagnadas. Essa teoria forneceu elementos ideológicos para as reformas urbanas da segunda metade do século XIX, na medida em que a "ideologia da higiene" associava as condições ambientais desfavoráveis (acumulação de água parada e de excrementos humanos e animais) a qualidades morais atribuídas aos mais pobres (bandidagem, promiscuidade, preguiça etc.). Dessa maneira, os cortiços se tornaram os alvos preferenciais das políticas sanitaristas e das reformas urbanas.
Curiosidades 2
Entre nós humanos, há quem goste do agito das cidades e há quem goste da calma das florestas. O vírus da febre amarela, porém, se vira bem em qualquer um desses ambientes! De fato, a doença pode possuir dois ciclos distintos, urbano ou silvestre, que se distinguem, principalmente, pelas espécies do mosquito vetor.
No ciclo silvestre, o papel de vetor é protagonizado por espécies pertencentes a dois gêneros distintos de mosquitos: Haemagogus spp. e Sabethes spp..Ambos dependem de água acumulada, como em ocos de árvores ou bambus, para reprodução. Ocorrem, preferencialmente, nas copas da floresta, reduzindo bastante (mas não excluindo) a chance de picadas em nós seres humanos. Infelizmente, os outros primatas (macacos) que também vivem no alto das árvores não têm essa mesma sorte, sendo vítimas mais frequentes desses mosquitos.
Figura 53 - Sabethes cyaneus mosquitoes. Native to Central and South America, this type of mosquito can transmit yellow fever virus.
Mas atenção, não matem os macacos! Por também serem hospedeiros da doença, esses animais são frequentemente vistos como vilões nessa triste trama. No entanto, é importantíssimo termos claro que os macacos não transmitem a doença, sendo tão vítimas dela quanto nós. Na realidade, devem ser vistos como nossos aliados, já que a elevada mortandade de macacos numa dada floresta pode ser encarada como um importante alerta. Sendo assim, são considerados importantes sentinelas!
Apesar de ser bem mais raro, a febre amarela também pode ser contraída nas cidades, graças à possibilidade de um ciclo urbano do vírus. Nesse ambiente, no entanto, o vetor da doença é o mosquito Aedes aegypti, o mesmo responsável pela transmissão da dengue, chikungunya e zika. Esse, como já sabemos muito bem, também depende de água acumulada em reservatórios para reprodução. No ambiente urbano, geralmente esses microambientes são representados por pneus velhos, caixas d´água, vasos de plantas, etc. Logo, para reduzir a proliferação do vírus nas cidades, é importante controlar o vetor eliminando os criadouros: vedar caixas d´água, não manter pneus ou outros recipientes acumuladores de água nos quintais ou terrenos baldios, etc.
Por fim, uma notícia muito boa e vitória da ciência: temos vacina contra febre amarela! Dessa forma, para se proteger, proteger sua família e também evitar a proliferação do vírus, vacinem-se!
Referências
CABRAL, Diogo de Carvalho. Águas passadas: sociedade e natureza no Rio de Janeiro Oitocentista. RA´E GA 23. Curitiba, Departamento de Geografia - UFPR, 2011, p. 159-190. Disponível em https://geografia.ufpr.br/raega/
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