Ecomuseu de Santa Cruz
A Importância do Ecomuseu de Santa Cruz
Texto por Thais Rocha
Desde a Mesa-Redonda de Santiago do Chile em 1972, a América Latina vem repensando sua interação com o patrimônio, com a memória e consequentemente com a museologia. Com o processo de colonização que acontece em toda América Latina, inclusive no Brasil, a qual se estende por volta de quatro séculos, sendo o último país a abolir a escravidão, encontra-se no continente um grande vazio causado por tais atividades de submissão de povos originários e africanos/afrodescendentes, além das desvantagens no processo de globalização que ocorria no período e que se intensificaria no século XX.
Embora o conceito de Ecomuseu tenha sido inaugurado na França em 1971, essa nova prática museal dá luz aos interesses da museologia latino-americana em prol da construção da memória coletiva a partir do museu e do patrimônio. Com a participação de toda a comunidade, tais conceitos vão criando forma e consolidando-se nos cenários formais e não formais de cada país, cidade ou região. Esse período foi de extrema importância para que houvesse discussões acerca da identidade de cada povo e/ou região, aspecto que foi brutalmente violentado pelo processo de colonização europeia em todo território latino-americano, onde culturas, saberes, artefatos etc. foram perdidos, menosprezados ou até mesmo roubados. Esse despertar é fruto de séculos de submissão e apagamento, que posteriormente, mesmo com muitas dificuldades e resistências, deslumbra um novo horizonte de novas práticas sociais coletivas que prezam e fomentam a identidade do povo como ferramenta de resistência, afirmação, direito de existir e reparar consequências causadas por todo histórico escravocrata, de classe e gênero.
A ecomuseologia proporciona aos agentes sociais a possibilidade de arquitetar um espaço que ofereça e fomente o desenvolvimento local a partir de sua própria idealização e realização, ou seja, rompendo ou afastando-se da museologia oficial com moldes europeus, a ecomuseologia aborda a autonomia nas práticas museais para que cada região ou povo possa utilizá-la a fim de servi-la, retroalimentando-se da própria produção cultural e com o dever da manutenção da história e da memória coletiva, onde resgata a autonomia e autoestima para que seja possível a continuação consciente da produção de novas narrativas, memórias e interesses que agreguem positivamente tais coletivos.
O Ecomuseu de Santa Cruz junto ao Núcleo de Orientação e Pesquisa Histórica de Santa Cruz (NOPH) consolida o bairro nesse processo internacional dos novos panoramas da museologia, no qual o bairro participa de forma integral dessa nova prática de pensar os museus. Em seu primeiro momento, seu legado histórico e arquitetônico imperial se faz presente no avanço desse museu, em prol da manutenção do período de “ouro” de Santa Cruz. Porém, após 28 anos de instituição, aponta-se um novo olhar diante da história local, em que não somente o passado imperial de reis e rainhas possui narrativas e espaço para o imaginário do que teria sido Santa Cruz, mas também a participação de toda população que fora trazida, constituída, escravizada, trabalhadora e artística do bairro de Santa Cruz. Em suma, o Ecomuseu do Quarteirão Cultural do Matadouro de Santa Cruz é a junção do patrimônio cultural do bairro, com o esforço de luta popular, travado desde sua inauguração. O que é esperado desse museu, além de sua constância e investimento, é a participação de toda esfera da população do bairro e de bairros vizinhos, que possa ser fomentador de novos pesquisadores, produtores e agentes culturais, artistas etc. O coletivo se faz essencial para que haja o engajamento necessário a fim de que o patrimônio do bairro não sucumba aos jogos políticos de desmonte e desvalorização do bem popular. É importante que não somente afirme a identidade consciente e positiva de toda população santa-cruzense, mas possibilite reparação às desvantagens sociais que o bairro enfrenta com a precarização de serviços que acabam sacrificando grande parte da população em relação ao restante do município.
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REFERÊNCIAS
PRIOSTI, Odalice Miranda. Memória, comunidade e hibridação: museologia da libertação e estratégias de resistência. 2010. 245 f. Tese (Doutorado em Memória Social)-Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.
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