Hospital dos escravizados
Hospital dos escravizados
Texto por Thamires Siqueira
De acordo com os relatos registrados em cartas jesuíticas, nas propriedades dos padres inacianos (jesuítas), nas fazendas e nos colégios, existiam enfermarias, hospitais, herbários e boticas destinados ao tratamento, não só dos escravos, como da população em geral, sendo que os visitantes deveriam pagar pelo tratamento.
Analisando a Fazenda de Santa Cruz e seus legados, a partir de 1700, lá esteve presente, além de uma botica, um hospital, em que os escravizados atuavam como aprendizes de áreas médicas, realizando serviços como cirurgia, enfermaria e barbearia, em uma época em que esses trabalhos mais elitizados não eram vistos como pertencentes a sua classe.
Dentre os próprios escravos existiam diferenciações, pois todos almejavam poder chegar ao cargo de cirurgião (pois receberiam um tratamento diferente, obtendo respeito e uma rotina menos braçal e exaustiva, por mais que precisassem dedicar anos de estudo até alcançar o cargo). O primeiro escravo a obter o título de "1º cirurgião da Real Fazenda e Paço de Santa Cruz", trabalhando na função de 1817 até 1847, foi José Alves.
As principais doenças da época eram as febres e a tuberculose, e as epidemias de tifo, disenteria e varíola, necessitando a profilaxia básica de muita desinfecção dos espaços. Este hospital foi construído em dois andares, feitos de madeira de lei, e possuía grandes paredes e janelas, e em suas salas contavam com leitos dispostos um ao lado do outro, com esteiras ou colchões de palha, em salas separadas por gênero e faixa etária, onde os escravos doentes eram cuidados pelo escravo enfermeiro que auxiliava o médico. Em fazendas menores, sem acesso a estes hospitais, eles eram tratados nas próprias senzalas. Os escravos doentes ficavam afastados do trabalho até receberem alta com a sua recuperação.
A existência deste hospital na Fazenda foi vista até como uma forma de reduzir a mortalidade dentre os escravos, proporcionando um tratamento adequado às doenças ali sofridas.
Após a expulsão dos jesuítas, ali foram encontrados mais de 600 produtos medicinais para o tratamento de diversas doenças, conhecimentos esses que aprenderam com os indígenas e auxiliaram para que as doenças não atingissem tanto a população escravizada da fazenda. Já em 1893, após a Proclamação da República, o hospital foi ocupado por militares, desativado para outros usos e demolido no início do século XX.
REFERÊNCIAS
ENGEMANN, Carlos. Santa Cruz: de legado dos jesuítas a pérola da coroa. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2013.
FREITAS, Benedicto. Santa Cruz: fazenda jesuítica, real, imperial. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1985.
PEREIRA, Júlio César Medeiros da Silva. Práticas de saúde, doenças e sociabilidade escrava na Imperial Fazenda de Santa Cruz, da segunda metade do século XIX. Histórica - Revista Eletrônica do Arquivo do Estado de São Paulo, n. 35, abr. 2009. Disponível em: http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao35/materia01/. Acesso em: 26 jul. 2023.
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