1º Código de Caça e Pesca
Resumo
Promulgação do 1º Código de Caça e Pesca, com o objetivo de regulamentar as atividades de caça e, com isso, diminuir a enorme pressão humana sobre a fauna silvestre.
Sugestão para o professor
O professor pode trabalhar com imagens publicadas por revistas e jornais das primeiras décadas do século XX, a fim de sensibilizar os alunos para a temática, bem como para compreender a mentalidade da época em relação à caça, uma atividade normalmente associada à virilidade, à coragem, ao homem civilizado que domina e submete a natureza selvagem. Essas imagens contêm anúncios de armas de caça, empunhadas por homens vestidos elegantemente (ex: Revista Fon-Fon!, Rio de Janeiro, v. III, n. 33, p. 6, 1909); carregamentos de peles e couros para exportação (ex.: Revista A Noite Ilustrada, Rio de Janeiro, ano II, n. 59, 20 maio 1931); registros da presença no Brasil do europeu Alexandre Siemel, o "matador de onças" que divulgou esse tipo de "turismo" no Brasil para o mundo (ex.: imagem https://tokdehistoria.files.wordpress.com/2013/04/sasha.jpg).
Detalhamento da Evento do tempo do estudante
Em agosto de 1932, o Ministério da Educação e Saúde Pública solicitou aos cientistas do Museu Nacional do Rio de Janeiro (MNRJ) a redação de um projeto de lei para regulamentar a caça no Brasil. A justificativa era a diminuição da fauna silvestre. A caça era uma atividade importante não só para suprir as necessidades alimentares das populações do interior do país, mas também para movimentar uma extensa cadeia comercial baseada nos hábitos de consumo da classe média em ascensão, incluindo o crescente comércio de armas e munições e o mercado da moda, com seus casacos de pele, chapéus enfeitados com penas, carteiras e cintos de couro. Entre 1898 e 1918, as peles e o couro ocupavam o terceiro lugar na lista de exportações brasileiras; entre 1919 e 1939, eles ascenderam ao segundo lugar. "Calcula-se que, antes da Primeira Guerra Mundial, 400 mil peles de beija-flores e 360 mil peles de outros pássaros, principalmente garças-reais, foram mandadas para o exterior" (Dean, 1996, p. 265). O 1º Código de Caça e Pesca foi promulgado em 2 de janeiro de 1934, determinando que todos os animais e aves encontrados em território brasileiro passariam a ser propriedade do Estado, de modo que todos os caçadores deveriam portar licenças especiais; a venda de armas e munições de caça deveria ser controlada e as espécies ameaçadas de extinção teriam sua caça imediatamente interditada pelo prazo de 5 anos. No entanto, como o Código não se fez acompanhar de medidas efetivas de fiscalização, tampouco de iniciativas pedagógicas para transformar a cultura brasileira em relação à caça, de modo que caçadores, comerciantes e consumidores continuavam ignorando a lei. Assim, animais como o cervo, a lontra e a anta seguiram sendo exterminados.
Impactos da caça na Mata Atlântica
No papel, testemunhamos seguidos avanços em relação à legislação ambiental no que tange a prática de caça ilegal. Na prática, entretanto, a fauna segue sendo alvo cobiçado por caçadores de todo país, inclusive na Mata Atlântica. As vítimas mais recorrentes são os grandes mamíferos herbívoros ou frugívoros, como antas, queixadas, pacas, veados, etc. Um estudo conduzido na Mata Atlântica, em 2016, revelou que a biomassa de mamíferos foi reduzida em até 98% em locais onde há intensa prática de caça. Ou seja, caçadores podem causar extinções locais de grandes mamíferos!
E o pior: engana-se quem acha que esses animais são os únicos prejudicados nessa história! Na prática, muitas dessas espécies são insubstituíveis para a dispersão de sementes de diversas plantas, por exemplo. Ou seja, a longo prazo, a extinção de um grande mamífero dispersor poderá alterar toda a estrutura e dinâmica de uma floresta e, com isso, também dos seus habitantes.
Figura 71 - Anta
Figura 72 - Lebre
Figura 73 - Lontra
Figura: 74 - Paca
Figura 75 - Queixada
Curiosidades
O Anteprojeto de Código de Caça e Pesca começou a ser elaborado e discutido no Brasil em 1933. Nesse mesmo ano, Monteiro Lobato publicou o livro infantil Caçadas de Pedrinho, uma aventura na qual Pedrinho, Narizinho, Emília, Visconde de Sabugosa e Rabicó matam e comemoram a morte de uma onça-pintada que rondava o Sítio do Picapau Amarelo. Em um dos trechos do livro, os personagens disputavam os louros daquela façanha. Mas, "como daquela disputa pudesse sair briga, o Visconde ponderou gravemente: — Todos ajudaram a matar a onça e todos merecem louvores. Mas se não fosse a pólvora de Pedrinho, estaríamos perdidos; de maneira que a Pedrinho cabe a melhor parte da vitória. Depois de cegar a onça, tudo ficou mais fácil e cada qual fez o que pôde. Basta de discussões. Em vez disso, tratemos mais é de levá-la para casa.
Os heróis concordaram com o sensatíssimo Visconde..." (Lobato, 1933, p. 12-13). O que essa passagem pode nos dizer a respeito do lugar ocupado pela "aventura" da caça e pelos "herois" caçadores na cultura daquela mesma sociedade que se propunha a criar leis para limitar as atividades de caça?
Figura 76 - Caçada
Referências
DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
DUARTE, Regina Horta. A Biologia Militante: o Museu Nacional, especialização científica, divulgação do conhecimento e práticas políticas no Brasil – 1926-1945. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.
RATTES, Cecília Luttembarck Oliveira Lima. Em busca das onças: as fotografias do jaguar sul-americano no relato de viagem de Theodore Roosevelt. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 28, supl., dez. 2021, p.221-234. Disponível em https://www.scielo.br/j/hcsm/a/MqQGpm87c4CT9ZhcnmP8Wqg/?lang=pt .
LOBATO, Monteiro. Caçadas de Pedrinho. Publicado originalmente em 1933. Livro Digital nº 978 - 1ª Edição - São Paulo, 2019. Disponível em https://santatereza.go.gov.br/download/296/outros-livros-literarios/15386/as-cacadas-de-pedrinho.pdf
FONSECA, Vandré. O Eco. publicado em: 24/10/2016. https://oeco.org.br/noticias/caca-ilegal-ameaca-deixar-mata-atlantica-desabitada/ .
GALETTI, M., BROCARDO, C. R., BEGOTTI, R. A, HORTENCIA, L. ROCHA-MENDES, F., BERNARDO, C. S. S., … SIQUEIRA, T. Defaunation and biomass collapse of mammals in the largest Atlantic forest remnant. Animal Conservation, v. 20, n. 3, 2016, 270–281. doi:10.1111/acv.12311. https://revistapesquisa.fapesp.br/os-efeitos-danosos-da-caca-ilegal/
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